Meus herdeiros herdam minhas dívidas?

Você conhece alguém que recebe ou já recebeu cobrança por dívida de uma pessoa que já faleceu? Afinal, os herdeiros herdam ou não as dívidas deixadas pelo falecido? E quem são os herdeiros? O presente artigo visa esclarecer essas e algumas outras dúvidas comuns sobre o Direito Sucessório.

Podemos dizer que as dívidas do de cujus (falecido), de certa maneira, são herdadas pelos herdeiros, já que são incluídas no patrimônio. Entretanto, os sucessores (herdeiros) não respondem pessoalmente pelas dívidas do de cujus. Os herdeiros não são obrigados a utilizar o próprio patrimônio para pagar as dívidas deixadas pela pessoa que morreu.
O conjunto de bens, direitos e obrigações (dívidas) que integra o patrimônio deixado pelo de cujus e que será partilhado no inventário é chamado de espólio. É o ESPÓLIO o responsável pelo pagamento das dívidas da pessoa falecida. Ou seja, as dívidas do de cujus serão pagas com o patrimônio deixado por ele. Em razão disso é que podemos dizer que os herdeiros não são responsáveis pelo pagamento das dívidas do falecido. Os herdeiros não vão pagar com o próprio patrimônio, ou seja, “do próprio bolso”, as dívidas do de cujus.
Para melhor compreensão da questão, vejamos um exemplo prático:
José falece sem deixar testamento. João e Maria são filhos de José e são seus únicos herdeiros. O patrimônio de José era: um carro no valor de R$ 40.000,00 e a quantia de R$ 60.000,00.
a) Se José não possuía dívidas: João herdará 50% do patrimônio deixado por José (patrimônio de R$ 100.000,00) e Maria herdará 50% do patrimônio deixado por José (patrimônio de R$ 100.000,00).
b) Suponhamos que José possuía dívidas e que a soma delas dá R$ 20.000,00: o valor das dívidas de José será pago com o patrimônio deixado por ele, e que compõe o espólio. Assim, dos R$ 100.000,00 deixados por José, R$ 20.000,00 será utilizado para pagar as dívidas do falecido José. Sobrará, portanto, R$ 80.000,00 (oitenta mil reais). Esse será o valor herdado por João e Maria. João herdará 50% de R$ 80.000,00 e Maria herdará 50% de R$ 80.000,00.
Agora, se José deixou um patrimônio de R$ 100.000,00 e dívidas no valor de R$ 150.000,00, todo o patrimônio deixado por José será utilizado para pagar as dívidas, João e Maria, portanto, não receberão nada. Nessa situação, é possível perceber que ainda restará R$ 50.000,00 de dívidas de José em aberto. Esses R$ 50.000,00 não podem ser transferidos para os herdeiros de José (João e Maria), pois eles não receberam nada de herança e não podem responder pelas dívidas de José com o patrimônio próprio de cada um.
É o que dispõe o artigo 1.792 do Código Civil:
Art. 1.792. O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança; incumbe-lhe, porém, a prova do excesso, salvo se houver inventário que a escuse, demostrando o valor dos bens herdados.
Ou seja, João e Maria não vão pagar a dívida restante de R$ 50.000,00 “do próprio bolso”. Os credores dessa parte das dívidas deixadas por José, portanto, ficarão no prejuízo.

Cabe mencionar que cada herdeiro responde pelas dívidas na proporção da sua parte da herança. Geralmente, dentro de um processo de inventário, primeiro as dívidas são quitadas e o que sobra é dividido entre os herdeiros. Por esse motivo, os herdeiros acabam vendo o pagamento das dívidas pelo espólio em sua totalidade.
É possível verificar melhor essa questão da responsabilidade proporcional à cota parte recebida pelo herdeiro quando a dívida aparece depois da partilha da herança, ou seja, quando cada herdeiro já recebeu sua parte da herança. Vamos aos exemplos: João e Maria receberam, cada um, a cota de 50% do patrimônio de R$ 100.000,00 deixado por José. Ou seja, cada um recebeu R$ 50.000,00.
a) Se José deixou um total de dívidas de R$ 20.000,00: João vai pagar 10.000,00 com os R$ 50.000,00 que recebeu e ficará com R$ 40.000,00. Maria vai pagar R$ 10.000,00 com os R$ 50.000,00 que recebeu e ficará com R$ 40.000,00.
b) Se José deixou um total de dívidas de R$ 150.000,00: João vai pagar R$ 50.000,00 de dívidas com os R$ 50.000,00 que recebeu e ficará com 00,00 (zero reais) como herança. Maria vai pagar R$ 50.000,00 de dívidas com os R$ 50.000,00 que recebeu e ficará com 00,00 (zero reais) como herança. Assim, da dívida de R$ 150.000,00 deixada por José, serão pagos R$ 100.000,00, (R$ 50.000,00 com a cota parte recebida por João e R$ 50.000,00 com a cota parte recebida por Maria) e restará o valor de R$ 50.000,00 em aberto, que não é de responsabilidade dos herdeiros de José, pois eles só respondem pelas dívidas do falecido na proporção do que receberam de herança.
c) Se José não deixar nenhum bem ou valor, mas deixar dívidas, da mesma maneira, seus herdeiros não responderão pelas dívidas em aberto, uma vez que não receberam nada de herança.
É claro que existem algumas situações que podem alterar a regra geral ora exposta. Como dizem por aí, no Direito tudo depende.
Um exemplo que pode ser destacado é o caso do bem de família. O bem de família “[…] é a propriedade destinada à residência e moradia da família que recebe o benefício da impenhorabilidade, ou seja, não pode ser penhorado e não pode sofrer nenhuma forma de apreensão. Assim, não responde por dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges, ou pelos pais, ou filhos, que sejam seus proprietários e nele residam.” Assim, se a herança for constituída por um único bem imóvel que se enquadra no conceito de bem de família, essa casa não poderá ser utilizada para pagar as dívidas do espólio.
Ocorre que essa regra da impenhorabilidade do bem de família comporta exceções, também, como disposto na Lei 8.009/90.
Nota-se, portanto, que existem várias questões que devem ser observadas em um caso concreto. Contudo, já é possível compreender que O PATRIMÔNIO PESSOAL DOS HERDEIROS NÃO É ATINGIDO PELAS DÍVIDAS DO FALECIDO.
Mas você sabe quem são os seus herdeiros?
O Código Civil dispõe, em seu artigo 1.829, que são herdeiros: os descendentes (filhos, netos), os ascendentes (pais, avós), o cônjuge (e o companheiro) e os colaterais (irmãos, tios, sobrinhos). Os descendentes, ascendentes e o cônjuge/companheiro são os chamados HERDEIROS NECESSÁRIOS. Isto significa dizer que eles têm direito a LEGÍTIMA.
O que isso significa? No Brasil existe uma limitação quanto ao que se pode fazer com o patrimônio depois da morte. METADE de todo o patrimônio (herança) do falecido constitui a legítima. Essa porção obrigatoriamente será transmitida aos herdeiros necessários.
Vamos a um exemplo simplificado: suponhamos que sua família seja constituída apenas por você, por um irmão e por um filho seu, e você tem um patrimônio de R$ 100.000,00. Ao fazer um testamento, seria possível deixar todo o seu dinheiro para seu irmão?
NÃO! Porque metade desse valor constitui a legítima e obrigatoriamente precisa ser transmitida ao seu herdeiro necessário, que é o seu filho. O seu irmão é um colateral, portanto, não é herdeiro necessário. Assim, seria possível fazer um testamento resguardando a legítima, ou seja, deixando os R$ 50.000,00 ao filho, e a outra parte, chamada PARTE DISPONÍVEL, ao seu irmão.
O Código Civil impôs também uma ORDEM para saber quais dos herdeiros necessários têm preferência para receber a herança. Assim, herdam:
1º – os descendentes, concorrendo com o cônjuge que sobreviveu (exceto se esse cônjuge ou companheiro era casado com o falecido no regime da comunhão universal, ou no regime da separação obrigatória, ou no regime da comunhão parcial de bens, no que diz respeito aos bens comuns);
2º – os ascendentes, concorrendo com o cônjuge ou companheiro;
3º – o cônjuge ou companheiro sobrevivente;
4º – os colaterais.
Se você falecer e tiver uma mãe ainda viva e um filho, a sua herança vai para o seu filho e não para a sua mãe, pois o filho (descendente) está em primeiro lugar na ordem da sucessão.

Outro ponto que merece destaque está no fato dos filhos concorrerem à herança com o cônjuge ou companheiro. Isto significa dizer que, dependendo do regime de bens que foi escolhido para o casamento ou união estável, a esposa/marido/companheiro(a) poderá também ser herdeiro(a). Entretanto, este ponto da sucessão merece uma explicação mais aprofundada e não será objeto deste artigo.
A sucessão é um instituto complexo e o presente artigo não tem a pretensão, e nem conseguiria, esgotar o assunto. O que se pretende é esclarecer, de modo geral, algumas questões acerca da sucessão, sanando algumas dúvidas comuns que recebemos enquanto advogadas militantes no Direito das Famílias e Sucessões.
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REFERÊNCIAS: