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Guarda do filho: é possível abrir mão?

Criança de braços cruzados

Esclarecimentos acerca do poder familiar, convivência, abandono e guarda do filho.

A Rede Globo está reprisando a novela Fina Estampa e uma polêmica da trama chamou atenção. A personagem Teodora, interpretada por Carolina Dieckmann, ao descobrir que Griselda (Lilia Cabral) ganhou na loteria, decide ameaçar a ex sogra milionária dizendo que  pediria a guarda do filho caso Griselda não lhe desse 10% da do prêmio da loteria. E se Griselda pagasse o valor, Teodora abriria mão da guarda do filho de forma definitiva, comprometendo-se a sumir de vez da vida do menor, com que não convivia desde que saiu de casa para viver um novo relacionamento.

Novelas a parte, como essa situação funciona na vida real? É possível abrir mão da guarda do filho? Quais seriam as consequências dessa decisão? O tema envolve poder familiar, guarda, convivência e abandono. Nesse artigo iremos discorrer um pouco sobre cada um desses institutos do Direito das Famílias, sem a intenção, obviamente, de esgotar os temas.

O PODER FAMILIAR

O poder familiar pode ser definido como um conjunto de direitos e deveres, no âmbito pessoal e patrimonial, que os pais e mães possuem sobre seus filhos. É devido ao poder familiar que os genitores devem prestar sustento, guarda, criação e educação de seus filhos. O artigo 1.634 do Código Civil dispõe acerca desses deveres e obrigações:

Art. 1.634.  Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos:  

I – dirigir-lhes a criação e a educação;  

II – exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584;  

III – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;  

IV – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior;  

V – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município;  

VI – nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;  

VII – representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; 

VIII – reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; 

IX – exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.  

Esses deveres e obrigações se dão de forma plena e igual para ambos os genitores. Assim, havendo qualquer divergência de opiniões e decisão entre os pais sobre a vida do(s) filho(s), o Poder Judiciário pode ser acionado para intermediar e resolver o caso.

Importante frisar que o poder familiar não dura para sempre. Em regra, os filhos estão submetidos a essa autoridade parental enquanto são menores, ou seja, enquanto não completarem 18 anos. Assim que a maioridade é atingida o poder familiar se extingue. 

O artigo 1.635 do Código Civil prevê outros motivos de extinção do poder familiar, são eles: a morte do pai/mãe (extingue o poder familiar em relação ao genitor morto) ou morte do filho, a emancipação, a adoção (ao efetivar-se a adoção, extingue-se o poder familiar dos pais biológicos, transferindo-o para os pais adotivos) e, por fim, por decisão judicial.   

Importante destacar aqui acerca das hipóteses de suspensão ou perda do poder familiar por meio de decisão judicial. 

O artigo 1.637 do Código de Processo Civil dispõe que será SUSPENSO o poder familiar do genitor que abusar da sua autoridade, não cumprindo com os deveres que lhe são inerentes (previstos no artigo 1.634 do CC/02) ou caso arruíne o patrimônio de seu filho. A prática de alienação parental também é considerada causa de suspensão da autoridade parental (artigo 6º, inciso VII da Lei nº 12.318/2010). 

SUSPENDE-SE, ainda, o poder familiar daquele pai ou mãe que é condenado por sentença, da qual não cabe mais recurso, devido a um crime que tem pena maior que dois anos de prisão. 

O artigo 1.638 do Código Civil dispõe sobre as hipóteses de PERDA do poder familiar. PERDE o poder familiar aquele pai ou mãe que:

– castigar de modo imoderado o seu filho(a);

– abandonar o filho(a);

– praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;

– entregar o(a) filho(a) de modo irregular para a adoção;

– praticar contra o outro genitor crime de homicídio, feminicídio, lesão corporal de natureza grave ou seguida de morte;

– praticar contra o outro genitor crime doloso que envolve violência doméstica e familiar ou, menosprezo ou discriminação à condição de mulher;

– praticar contra o outro genitor crime de estupro outro crime contra a dignidade sexual;

– praticar contra o filho(a) ou outro descendente (neto, por exemplo) crime de homicídio, feminicídio, lesão corporal de natureza grave ou seguida de morte;

– praticar contra o filho(a) ou outro descendente crime doloso que envolve violência doméstica e familiar ou, menosprezo ou discriminação à condição de mulher;

– praticar contra o filho(a) ou outro descendente crime de estupro, estupro de vulnerável ou outro crime de dignidade sexual.

A suspensão e a perda do poder familiar não se dão de forma automática. Em ambos os casos, deve ser iniciado um processo judicial, com exercício do contraditório e ampla defesa. O Poder Judiciário irá analisar os argumentos e provas apresentadas pelas partes e proferir uma decisão. Essa é uma ação de competência da Vara da Infância e Juventude e pode ser iniciado por provocação do Ministério Público ou de quem tenha legítimo interesse (artigo 155 do Ecriad). 

Agora, é possível que o pai ou mãe abra mão do poder familiar por livre e espontânea vontade? A resposta é NAO. 

Segundo Luiz Edson Fachin, o poder familiar é um munus público irrenunciável e inalienável” (1997, p. 595). Maria Helena Diniz também destaca que “o poder familiar decorre tanto da paternidade natural como da filiação legal, e é irrenunciável, intransferível, inalienável e imprescritível. As obrigações que dele fluem são personalíssimas” (2007. p. 378.). 

Feitas as considerações acerca do poder familiar, vejamos sua relação com o instituto da guarda e da convivência. 


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A GUARDA DO FILHO E CONVIVÊNCIA

Apesar de muitas pessoas confundirem, poder familiar e guarda significam coisas diferentes. Uma guarda unilateral, por exemplo, não exclui o poder familiar. Mas o que é a guarda?

A guarda é um elemento que integra o poder familiar, ou seja, uma das formas de exercício do poder familiar. A guarda diz respeito às decisões que são tomadas a respeito da vida do filho e, segundo o artigo 1.583 do Código Civil, pode ser unilateral ou compartilhada.

Guarda unilateral significa que apenas um dos pais tomará as decisões acerca da vida do filho, por exemplo, a escola em que vai estudar, plano de saúde contratado, entre outros. Isso significa que o outro genitor está excluído da vida de seu filho? Não.

Mesmo na guarda unilateral, o genitor que não possui a guarda deve supervisionar os interesses de seu(s) filho(s) e as decisões que estão sendo tomadas pelo pai ou mãe detentor da guarda, observando se está sendo garantido à criança ou adolescente saúde física, psicológica, educação, entre outros. Essa obrigação de supervisionar decorre do próprio poder familiar.   

Essa modalidade de guarda pode ser imposta pelo Juízo, por ter visualizado que melhor atendia aos interesses do menor ou pode ser escolhida em consenso entre os pais, em virtude do estilo de vida da família. 

Percebe-se, portanto, que um genitor pode abrir mão da guarda de seu filho em detrimento do outro, mas não pode nunca abrir mão do poder familiar. Seus deveres e obrigações enquanto mãe ou pai persistem, mesmo que a guarda escolhida seja unilateral.

A guarda compartilhada, por sua vez, consiste em decisões conjuntas de ambos os pais. Os genitores precisam sempre entrar em um consenso a respeito das decisões a serem tomadas na vida do seu filho. Essa modalidade, atualmente, é vista como a que melhor atende aos interesses da criança e do adolescente.

GUARDA NÃO SE CONFUNDE COM A CONVIVÊNCIA. A convivência é comumente chamada de visitação. Ela é aquele direito do filho e dos pais de estarem na companhia um do outro. A convivência pode ser física ou virtual. Além daqueles encontros para passeios e pernoites, as vídeos chamadas e ligações também são forma de convivência.

Independente da guarda – unilateral ou compartilhada – é direito da criança e adolescente conviver com seus genitores.  

E se o pai ou mãe não quiserem conviver com seu filho? E se o genitor não se responsabilizar pela criação, guarda e sustento do menor?  

O abandono, infelizmente, é uma situação bem comum em nosso país. Vamos falar um pouco sobre o que é o abandono e quais são as suas consequências na esfera civil e criminal.

Criança de mãos dadas com os pais

O ABANDONO NO DIREITO CIVIL E NO DIREITO PENAL

Existem duas espécies de abandono que podem estar caracterizadas nesse caso: o abandono material e o abandono afetivo. 

O abandono material é o crime previsto no artigo 244 do Código Penal Brasileiro, que dispõe:

Art. 244. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo: 

 Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no País.  

Parágrafo único – Nas mesmas penas incide quem, sendo solvente, frustra ou ilide, de qualquer modo, inclusive por abandono injustificado de emprego ou função, o pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada.  

É possível perceber que o autor do crime pode ser o cônjuge, o pai ou a mãe, o filho, entre outros. A vítima do crime de abandono material pode ser o cônjuge, o filho menor de 18 anos ou inapto para o trabalho, ascendente e descendente, observadas as condições que o artigo 244 do Código Penal estabelece. Neste artigo, analisaremos a conduta do pai/mãe em relação ao filho menor.

Tal crime é cometido, portanto, quando o pai ou a mãe deixa de proporcionar ao filho o sustento, de modo que o menor é exposto a uma situação de dano à sua integridade.    

No momento em que o pai ou a mãe deixa, dolosamente e sem justa causa, de assegurar os recursos necessários para a subsistência do filho, ainda que esses recursos sejam assegurados por outra pessoa (no caso da novela, pelo pai e pela avó paterna), resta consumado o crime de abandono material do(a) genitor(a).

É válido esclarecer que o abandono material (artigo 244 do CP) é diferente de abandono de incapaz (artigo 133), que é um crime de periclitação da vida e da saúde e que consiste em deixar alguém só, sem a assistência. Vejamos o que dispõe o artigo 133 do Código Penal:

Abandono de incapaz 

Art. 133 – Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono:

Pena – detenção, de seis meses a três anos.

§ 1º – Se do abandono resulta lesão corporal de natureza grave:

Pena – reclusão, de um a cinco anos.

§ 2º – Se resulta a morte:

Pena – reclusão, de quatro a doze anos.

§ 3º – As penas cominadas neste artigo aumentam-se de um terço:

I – se o abandono ocorre em lugar ermo;

II – se o agente é ascendente ou descendente, cônjuge, irmão, tutor ou curador da vítima.

III – se a vítima é maior de 60 (sessenta) anos.

O abandono afetivo, por sua vez, ocorre quando os genitores, ou um deles, não cumprem o dever de garantir aos filhos o direito ao à dignidade, à convivência familiar e comunitária, à assistência, à educação, entre outros aspectos necessários ao desenvolvimento da criança e do adolescente. 

Ou seja, é quando o pai ou a mãe, juntos ou não, deixa de cumprir a obrigação de cuidar do(s) filho(s). E o descumprimento dessa obrigação (abandono afetivo) é considerado, por muitos, um ilícito civil, capaz de gerar, inclusive, o dever de indenização por danos morais.

É que o abandono afetivo pode gerar no filho abandonado graves consequências psíquicas, e daí é que surge o dever de indenizar e reparar.

Vale mencionar, para maior entendimento da questão, um trecho do voto da Ministra Nancy Andrighi no julgamento do RESP nº 1.159.242 – SP: “[…] Aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos. O amor diz respeito à motivação, questão que refoge os lindes legais, situando-se, pela sua subjetividade e impossibilidade de precisa materialização, no universo meta-jurídico da filosofia, da psicologia ou da religião. O cuidado, distintamente, é tisnado por elementos objetivos, distinguindo-se do amar pela possibilidade de verificação e comprovação de seu cumprimento, que exsurge da avaliação de ações concretas: presença; contatos, mesmo que não presenciais; ações voluntárias em favor da prole; comparações entre o tratamento dado aos demais filhos – quando existirem –, entre outras fórmulas possíveis que serão trazidas à apreciação do julgador, pelas partes. Em suma, amar é faculdade, cuidar é dever.[…]”

Existem diversos entendimentos sobre o assunto e alguns julgados são no sentido de negar o pedido de indenização por abandono afetivo. Muitas vezes o Judiciário não vislumbra o abalo imaterial ou entende-se que a conduta do genitor no abandono afetivo não se reveste de ilicitude, ou seja, não seria um ato ilícito e, portanto, não ensejaria o dever de indenizar.

Importante esclarecer que o pagamento de pensão alimentícia, por si só, não supre o dever de cuidado e assistência emocional, dentre outros, obrigações estas que decorrem do poder familiar. Portanto, se o genitor apenas paga a pensão alimentícia e não cumpre com os demais deveres da parentalidade, o mesmo pode ser responsabilizado por abandono afetivo.

Nota-se, portanto, que os genitores precisam estar atentos às suas condutas, uma vez que a legislação impõe aos mesmos várias obrigações em relação aos filhos e o não cumprimento dessas obrigações geram consequências civis e criminais. A decisão de colocar uma criança no mundo vai muito além do sentimento, pois agrega muitas responsabilidades, morais e legais, e deve ser encarado com muita seriedade. 

REFERÊNCIAS

Superior Tribunal de Justiça

FACHIN, Luiz Edson. Em nome do pai. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família contemporâneo: doutrina, jurisprudência, direito comparado e interdisciplinariedade. Belo Horizonte: Del Rey, 1997, p. 585-604.

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4ª ed. rev. atual. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado.

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Escrito por:

Dra. Bruna Ferraz Chaves

Dra. Mariana Valente Carrafa

(Integrantes do Escritório Flávia Brandão Advogados)